O professor Leonardo Boff, no livro “Sustentabilidade: o que é e o que não é”, realiza uma análise crítica de vários modelos atuais que buscam a sustentabilidade. Cita, por exemplo, a concepção Neocapitalista, Capitalismo Natural, Economia Verde, Ecossocialismo, Triple Bottom Line, Ecodesenvolvimento e outras. Os modelos analisados possuem diversas lacunas, contudo, o “Triple Bottom Line” (também chamado de Tripé da Sustentabilidade) se destaca pela sua projeção e aplicação nos discursos dos setores públicos, privados e não-governamentais.
O conceito foi criado em 1990 pelo britânico John Elkington, fundador da ONG SustainAbility, e nos últimos anos tem ganhado proeminência pelo fato de preconizar a integração das questões econômicas, sociais e ambientais. Ou seja, para ser sustentável o desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto.
Alerta-se que o conceito de sustentabilidade não pode estar pautado em uma visão reducionista que projete o desenvolvimento sustentável somente como uma combinação de crescimento econômico, equidade social e preservação ambiental. Existe um falso equilíbrio nessa dimensão, pois a visão da economia é sempre privilegiada, posto que se sobrepõe as outras dimensões. Baldissera e Kaufmann (2013, p.65) problematizam o modelo Triple Bottom Line:
A adoção do modelo, que dispõe de forma equilibrada os pilares econômico, ambiental e social, tende a simplificar a noção de sustentabilidade, pois que os três pilares são equiparados, quando se sabe, em sentido complexo, que isso não é possível. Por exemplo, se uma organização consegue ótimos resultados econômicos e sociais, mas para isso destrói a natureza, pode-se dizer que ela apresenta sustentabilidade? Complexamente, isso não se sustenta, mas, se os pilares têm valor semelhante, pode sugerir que sim, que a organização apresenta sustentabilidade (um equívoco?). Além disso, em que medida o equilíbrio entre os pilares será respeitado?
Nota-se que tanto do ponto de vista teórico quanto das apropriações, a concepção é equivocada. Apesar de o modelo indicar proporcionalidade entre os pilares, o econômico tende a ser sempre priorizado, visto que, dentre outras coisas, na prática, o modelo impulsiona a realização de ações mitigadoras (reflorestamento, créditos de carbono, financiamentos sociais) que amenizam a destruição socioambiental e precificam os recursos naturais para que não exista necessidade de as organizações abrirem mão da maximização dos lucros (BALDISSERA E KAUFMANN, 2013).
A partir de Boff (2012) e Baldissera e Kaufmann (2013), é possível apresentar uma série de fragilidades e incongruências desse modelo:
- é um modelo fechado que entende a sustentabilidade de forma linear e quantitativa, alicerçado no que o filósofo Edgar Morin chama de paradigma simplificador – modelo reducionista e disjuntivo;
- não dá preferência à natureza, ao ambiente e à complexidade dos ecossistemas (sociodiversidade, biodiversidade, diversidade cultural e étnica), aspectos prioritários quando a matéria é sustentabilidade;
- não possibilita a problematização sobre a necessidade de transformação de paradigma a partir da visão complexa da realidade, pois que está pautado exclusivamente nos interesses mercadológicos (racionalidade econômica);
- coloca no mesmo patamar de relevância questões econômicas e ambientais, desconsiderando o fato de o sistema econômico ser dependente da natureza, disponibilizando recursos para serem transformados em bens de consumo e não o contrário.
Torna-se evidente que o Triple Bottom Line e nenhum outro modelo de sustentabilidade podem ser concebidos e executados como um sistema linearizado, fechado e reducionista. Importa reconhecer e considerar a complexidade da questão ambiental. Leff (2001) defende a necessidade do regime universal e dominante de mercado deixar de ser a medida de todas as coisas; deixar de ser o princípio constitutivo do mundo globalizado e do próprio sentido da essência humana. A discussão sobre o Triple Bottom Line permite, efetivamente, reconhecer mais amplamente a problemática conceitual pelo qual a sustentabilidade passa, bem como a incoerência epistemológica de tal visão.
Não se pode pensar a sustentabilidade de forma restritiva, devendo ser vista como uma forma complexa, integrada, transdisciplinar e multifacetária. Apesar de conter alguns elementos das conceituações tradicionais, Boff (2012) busca ampliar a noção de sustentabilidade, propondo uma integralização da vida:
conjunto dos processos e ações que se destinam a manter a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a preservação de seus ecossistemas com todos os elementos físico, químicos e ecológicos que possibilitam a existência e a reprodução da vida, o atendimento das necessidades da presente e das futuras gerações, e a continuidade, a expansão e a realização das potencialidades da civilização humana em suas várias expressões” (BOFF, 2012, p.14)
Tendo em vista, essa percepção nota-se que há cada vez mais uma necessidade de uma mudança de pensamento. Uma transformação do modo como se vê a situação precisa ser rapidamente engendrada a fim de que sejam corrigidos os desvios tomados no curso da trajetória da humanidade. Urge que sejam feitas adequações no modo de conceber a vida e a existência social. Assim, como Boff (2012), acredita-se que esse pensar diferenciado está ligado a uma proposição complexa da vida, uma forma integradora de conceber a existência.
REFERÊNCIAS
BALDISSERA, Rudimar; KAUFMANN, Cristine. Comunicação organizacional e sustentabilidade: sobre o modelo instituído no âmbito da organização comunicada. Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Organicom), ano 10, n. 18, 2013.
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é e o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
LEFF, Henrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis-RJ: Vozes, 2001.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2008.